Roda de conversa da Unipop

Universidade Popular do Nordeste cria rádio comunitária Esperança do Povo

As iniciativas dentro das comunidades contra o COVID19 estão tomando rumos muito criativos. Na Favela Bola de Ouro, no Curado IV / Jaboatão dos Guararapes, o pessoal da Universidade Popular do Nordeste (UNIPOP/NE) nestes dias de pandemia, além de coleta e distribuição de cestas básicas para as famílias mais carentes dos bairros circunvizinhos, está entrando nas ondas das rádio comunitária: A Rádio e TV Esperança do Povo – orgânica e decolonial. Na era dos streams e podcasts, o formato de rádio permanece como ferramenta de comunicação entre comunidades, sintonizando informação, música e pertencimento.

A Universidade Popular do Nordeste já era conhecida por construir trabalhos político-pedagógicos com a população, como rodas de conversa para o bem viver, aprendizados de artes marciais, encontros com caráter de educação popular e condução do Pastor Jardson Gregório. Neste momento em que é pedido o distânciamento social temporário como medida de prevenção do CORONAVIRUS, a UNIPOP/NE inova com a Rádio Esperança do Povo, promovendo “diálogos não violentos na perspectiva da pedagogia da convivência adotada pela UNIPOP/NE, sendo assim um projeto de educação para a felicidade sobre modo sustentável”. Com acesso online pelo canal, proporcionará que a transmissão leve a sabedoria construída pelas educadoras e educadores locais a ouvintes da favela, mas também de toda a rede de internet.

A inauguração oficial da Rádio e TV Esperança do Povo acontecerá no dia 13 de agosto deste ano, mas já apresenta alguns programas como o “Margaridas”, que “liderado por mulheres da favela e equipe atuante na Universidade Popular, aborda temas do universo feminino tais como família, feminicídio, machismo, racismo, gordofobia, homofobia, assédio e agressão”, e conta com convidadas que possam falar suas vivências dentro dos debates, trazendo uma programação musical que embale as/os ouvintes. Outros programas acompanham esta linha de educação para o povo construída pelo povo, com debates sobre literatura e filosofia, contos e causos, e diálogos ecumêncicos de louvor, reflexões e sonhos.

Acesse a Rádio e TV Esperança do Povo!
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Conheça também a Rádio Aconchego, parceira na realização do Mapa Solidário <3.

Mulher recebendo doação na comunidade da Várzea

Mulheres negras: o alicerce da resistência à pandemia

Fotografia de Cecília da Fonte

O governo está escondendo os dados sobre o número de infectados e falecidos pelo COVID-19, mas há outros dados que, desde o começo da pandemia, estão ocultos: o impacto do trabalho comunitário no enfrentamento ao coronavírus. Menos falado ainda é o papel das mulheres negras neste momento. Parte da população pobre, a mais afetada pela pandemia, estas mulheres estão cuidando da família, da casa, dos doentes e correndo atrás do sustento. Quando não estão ainda mais atarefadas ajudando as comunidades em que moram a resistir coletivamente através de campanhas de doação e distribuição de alimenos e itens de higiene.  

Engajadas no mapeamento e propaganda das ações de solidariedade, as colaboradoras do Mapa Solidário, agregador de campanhas em Pernambuco, entrevistaram mulheres negras que atuam em suas comunidades na Região Metropolitana do Recife. Além da exposição de informações sobre a saúde pública, é importante mostrar a batalha diária dessas lutadoras em ações de apoio mútuo em seus territórios. A mulher negra é, sem dúvida, protagonista no enfrentamento ao COVID-19.  

Entrevistamos Flávia (Marcha Mundial de Mulheres/Ocupação 15 de Novembro), Joelma (Centro Mário Andrade/Ibura), Joice (GRIS Solidário/Várzea), Liliana (Rede de Mulheres Negras/Córrego do Euclides) e Sarah (Caranguejo Tabaiares Resiste/Caranguejo Tabaiares), a quem agradecemos por arranjarem um tempo de onde não tinham para contribuir com este texto. 

ANTES E DURANTE DA PANDEMIA 

Comunidade de Caranguejo Tabaiares, Centro do Recife

Durante a pandemia, velhos problemas conhecidos do movimento feminista e de mulheres negras se intensificaram. Violência doméstica, falta de infra-estrutura e acesso a serviços públicos e sobrecarga nos trabalhos domésticos são alguns deles. Pra piorar, o desemprego e a fome aumentaram nas comunidades e pioraram a já precária estrutura de vida das famílias. Para Joelma, “a principal questão é o desemprego que depois da pandemia piorou muito”. Liliana ouviu “relatos de trabalhadoras e trabalhadores que foram afastados porque o patrão simplesmente disse ‘não dá pra pagar você, vai ter que aguardar e pronto'”. O isolamento impactou diretamente na renda, já que “muitas [mulheres] trabalhavam de maneira autônoma, seja na venda de produtos, seja com diárias, lavagem de roupa, costura, vendas de cosméticos e faxinas”, diz Joice. Em Caranguejo Tabaiares, muitas “iam para o sinal vender coisas para se manter e hoje não tem condições,” aponta Sarah. 

Por mais que uma parte da população consiga, é muito difícil manter isolamento quando na sua comunidade e na sua casa a pandemia acentuou a precariedade da vida. “É um estado permanente de vulnerabilidade social, óbvio que com a pandemia aumentou”, diz Flávia. Por exemplo, “como se higieniza sem água e sabão e, sobretudo, como se fica em casa sem alimentação?”, completa. Para Liliana, “você fazer quarentena num espaço muito pequeno, com crianças, com pessoas da família que não tem condições de ficarem dentro de casa” é uma dificuldade para as mulheres.   

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 

Nas comunidades, a questão da violência doméstica não mudou. Como os agressores – geralmente homens – permanecem mais tempo dentro de casa, a fome e o desemprego acabam sendo um álibi. Liliana nos repassou relatos de “xingamentos, grosserias e violência psicológica, a pressão por botar comida dentro de casa sem ter condições”, além da jornada triplicada dentro de casa com as crianças sem aula. Joelma relata o caso de uma moça que precisou mudar-se de bairro para fugir das agressões: “Nesse contexto que estamos não tem como se resolver nada, então ela preferiu realmente sair daqui da comunidade com medo disso, a gente já teve caso de [feminicídio] aqui por isso, de ex marido”. Joice acrescenta que a subnotificação aumenta por conta do isolamento social, que diminui o acesso às delegacias especializadas pela dificuldade no deslocamento e pelo medo da convivência com o agressor. Além disso, “a cotidiana violência policial chega sempre de forma agressiva na comunidade”, ressalta Flávia. A desconfiança diante dos dados oficiais que apresentam uma diminuição dos casos de violência contra a mulher soma-se à ausência de acompanhamento às famílias pelos postos de saúde nos bairros, como nos lembra Sarah. 

O PAPEL DA MULHER NEGRA NAS LUTAS COMUNITÁRIAS

 

Ação no Centro Mario Andrade, no Ibura

Por serem um dos grupos mais impactados pelo COVID-19, as mulheres negras são também as primeiras a se mexer. Seja no Ibura, Córrego do Euclides, Várzea, ou qualquer outro território periférico, são as mulheres que se organizam para cuidar das suas comunidades e das suas famílias. “Elas se organizam em pequeno grupos, identificam quem são as que mais precisam, arrecadam material de limpeza, alimentos e máscaras e organizam a distribuição, seguindo todos os cuidados dados pela autoridades de saúde”, explica Flávia. Para além de todas as ações práticas que envolvem o ato de cuidar, as mulheres muitas vezes se encontram na função de equilibrar o estado emocional das pessoas do lar. Liliana deixa negritado que são as mulheres que atentam para que todes façam uso da máscara, lavem as mãos além dos outros protocolos básicos de higiene.  

Como sempre, a mulher negra é empurrada a ser responsável pelo bem estar das pessoas ao seu redor. “São elas que se articulam para conseguir as cestas básicas, mesmo que não carreguem o peso, elas que ficam nas filas e vão atrás, também no que diz respeito à saúde: se tem alguém doente em casa são elas que vão nos postos de sáude obter informações, ir atrás de remédios etc”, explica. Joelma ressalta que enquanto as mulheres se movimentam, os homens além de não marcarem presença nas ações solidárias, se expoem de forma desnecessária, levando para dentro das suas casas o vírus. “De 5h, 6h da manhã a avenida principal tá cheia de cara tudo sem fazer nada, batendo papo. Quem está fazendo os corres pra manter o sustento da família são as mulheres”, diz ela. 

Não podemos precisar por quanto tempo a pandemia do COVID-19 ainda impactará as nossas vidas e comunidades, mas uma coisa é certa: as mulheres negras não podem seguir sendo o alicerce de tudo ao seu redor sozinhas. Precisamos encontrar formas de redistribuir coletivamente as funções que elas exercem, além de exigir do governo a estrutura devida no que diz respeito à saúde e à assistência social a essas comunidades. Dos Governos e Empresários não esperamos nada, apenas exigimos o que é nosso. Mas é das pessoas próximas que esperamos uma mudança solidária que ande ombro a ombro com a libertação da mulher negra até atingirmos uma sociedade livre do capitalismo, do racismo e do machismo. 

Naomi e suas Filhas, 2013. Fotografia de: Kehinde Wiley, cortesia da Galeria Stephen Friedman Gallery. Reprodução da Publicação no The Guardian